sábado, 4 de janeiro de 2014

Vivian Oswald

Publicado: 03/01/14 - 7h00

LONDRES - Quarenta anos atrás, ninguém diria que a degradada região industrial que se estende de Hackney Wick e Fish Island a Stratford, a leste da capital britânica, se tornaria um dos maiores celeiros de artistas do mundo. Desde então, os antigos armazéns, fábricas e edifícios abandonados desta que já foi uma das áreas mais pobres do Reino Unido e ostentou os piores indicadores sociais do país tornaram-se endereço de artistas britânicos e estrangeiros, com galerias de arte compartilhando espaço com oficinas mecânicas, portões de metal desgastado pela ferrugem, entulho e pichações.


Não há estatísticas oficiais, mas a estimativa dos locais é de que há pelo menos dois mil profissionais estabelecidos ali, num dos perímetros urbanos de maior concentração de artistas da Europa, onde nomes importantes da cena contemporânea britânica fizeram ou ainda fazem suas carreiras.
Nos últimos anos, novos espaços de criação deram mais um impulso à área, como a galeria de arte Stour Space, fundada há três anos, e o teatro The Yard, construído com restos de estruturas das Olimpíadas. O movimento já é uma extensão da ocupação do leste de Londres pela comunidade artística. Até bem pouco tempo, a moda era a Old Street, na extremidade de Shoreditch. Expulsos pela especulação imobiliária, os artistas foram estendendo as fronteiras dos seus domínios. Aos poucos, eles próprios, que se queixam dos altos preços, também vão removendo a comunidade tradicional do bairro, que já não tem mais como ficar.
— Todos vieram para cá. Estamos quase num ponto de saturação — conta a artista plástica Joanna Hughes, dona da galeria Mother Studios, que reúne 44 ateliês de 60 artistas diferentes em um prédio da década de 1930.
Organização apoia artistas
Os pioneiros da renovação da área foram Jonathan Harvey e David Panton. Recém-saídos da faculdade de Artes, há 40 anos, eles fundaram em 1972 a ACME Studios, uma organização sem fins lucrativos para ajudar os artistas a encontrar espaços por que possam pagar. Com 552 estúdios e programas de residência nacional e internacional, a entidade já apoiou cinco mil artistas, como a escultora Rachel Whiteread (um dos destaques da galeria Gagosian), primeira mulher a receber o Prêmio Turner, em 1993, e Grayson Perry, vencedor da premiação dez anos depois.
A história da ACME, que acabou por se misturar com o desenvolvimento da área, foi documentada durante as suas quatro décadas de existência e está em exibição na galeria White Chapel até o dia 14 de fevereiro.
— Seria inimaginável, naquela época, em meio à depressão, pensar que este seria um dos maiores centros de produção artística do mundo. Apoiamos muitos artistas de grande qualidade, sendo que oito deles ganharam o prestigiado Prêmio Turner — afirma Jonathan Harvey, um dos maiores especialistas no desenvolvimento artístico da região, para quem a migração para um novo centro artístico cada vez mais ao leste de Londres foi determinante para a produção do país.
A galeria Stour Space, que chegou quando a área já estava consolidada como polo artístico, foi aberta à beira do canal, com vista para o gigantesco estádio construído no parque olímpico de Stratford, o empreendimento mais caro das Olimpíadas de Londres. O local, que ocupa um dos antigos armazéns, esteve prestes a ser despejado pela especulação imobiliária pós-olímpica e agora, com a ajuda dos artistas e da comunidade, está de olho nos três prédios vizinhos, que hoje abrigam 144 estúdios.
O amplo galpão central é dividido entre 24 ateliês compartilhados por 44 profissionais e um grande espaço para mostras, além do café debruçado sobre o canal. Caine Crawford, um dos fundadores do espaço, afirma receber cerca de mil visitantes somente aos sábados. Professor de arquitetura, ele leva experimentos bem e malsucedidos dos alunos para o mundo das artes. E é o responsável pelas transformações do espaço de exibições a cada novo evento — neste início de ano, os artistas da galeria, que estão entre os melhores nomes da comunidade de Hackney Wick, têm direito a uma coletiva.
— Colocamos e tiramos paredes. Nada é igual, nunca. Um artista importante me perguntou se poderíamos pendurar uma cama lá no teto. Antes mesmo de refletir sobre o assunto, concordei na hora. E deu muito certo — diz Crawford, apontando para o alto.
Teatro produz talentos locais
No teatro The Yard, os restos de estruturas dos Jogos foram usados para montar a arquibancada, com capacidade para 110 espectadores, e no restante dos espaços da antiga casa, que divide o pátio com duas oficinas. A chegada do teatro não deixou de causar tensão nos locais, desconfiados de que estariam sendo engolidos pelas novas tribos que desembarcam sem cessar na região.
— Investimos na participação da comunidade, que se apresenta aqui e assiste a nossos espetáculos. Esta é uma obsessão do Jay Miller, idealizador do projeto: ingressos a preços razoáveis — diz Lucy Oliver-Harrison, da equipe do teatro.
Jay conta que queria remover as fronteiras erguidas pela especulação imobiliária londrina do mundo da criação:
— A arte é um negócio, e temos que aceitar isso. Mas queria dar ao projeto uma vertente social importante.
Com subsídios da administração regional, o empreendimento tem receita própria, que vem também do bar do teatro . O que passou da conta, como a reforma do telhado para dar o isolamento necessário ao teatro durante o inverno, saiu de uma operação bem-sucedida de crowdfunding.
O Yard realizou 82 novas pequenas produções desde que abriu as portas. Muitos talentos saem do próprio bairro, que não só tem recebido, mas produzido seus novos artistas. Este foi o caso de Michaela Cole, que montou e apresentou ali sua primeira peça. Pouco tempo depois, sua produção recebeu prêmios importantes.
— Ela ainda não conseguiu espaço na agenda para voltar ao palco do Yard — conta Lucy.

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