Comerciantes ainda sofrem impacto do fim do Cine Belas Artes; veja como está o espaço
Guilherme BalzaDo UOL Notícias
Em São Paulo
Fachada do Cine Belas Artes em 4 de janeiro... e em 29 de julho deste ano
Quase cinco meses após o encerramento das atividades do Cine Belas Artes, os comerciantes da rua da Consolação, região central de São Paulo, ainda lamentam o fim do antigo "point" da classe média “cult” paulistana. Inaugurado em 1952, o cinema cerrou as portas em 17 de março deste ano, após o proprietário não renovar o contrato com os administradores.
Dono da tradicional pizzaria Micheluccio, que funciona na região desde 1957, Edimir Lopes, 51, teve que começar a vender pastéis durante o dia para suprir a queda no faturamento após o fechamento do cinema. O restaurante fica exatamente em frente ao Belas Artes, e grande parte dos clientes da noite eram frequentadores do local.
“Aqui abria só às 18h, mas o fim do cinema me obrigou a vender os pastéis durante o dia. Perdemos clientes antigos, que vinham aqui depois de ver o filme”, diz. Lopes afirma ainda que a proibição de estacionar o carro ao longo da Consolação --em vigor desde 2004, quando o corredor de ônibus foi inaugurado na via-- também prejudicou o movimento no seu estabelecimento.
IMAGENS DO CINE BELAS ARTES
O Belas Artes foi aberto em abril de 1990, quando era administrado pela produtora francesa Gaumont
Última sessão do Cine Belas Artes antes do fechamento, em 17 de março deste ano
Depois de fechado, as paredes do Cine Belas Artes foram alvo de pichadores e grafiteiros
Cláudio Bezerra, 38, funcionário da Micheluccio, estima que a pizzaria perdeu um terço dos clientes desde o fim do Belas Artes. “Se é para ajudar a reabrir o cinema, pode dizer na reportagem que afetou muito. Perdemos pelo menos 30% dos fregueses. Outros bares que tinham história, como o Burger Beer, o Bar do Guedes, tiveram que fechar as portas.”
Os estacionamentos próximos ao Belas Artes também foram afetados. Alguns, que funcionavam até a madrugada, passaram a fechar às 21h. Clei Alves dos Santos, 27, manobrista, diz que o estacionamento em que trabalha parou de funcionar aos domingos. “Todo domingo aqui ficava lotado. Agora eu acho que o movimento caiu uns 40%”, diz.
Para Odete Machado, dona de uma das cinco bancas de livros que funcionam na passagem subterrânea cultural que fica ao lado do cinema, o problema maior do fim do Belas Artes é de ordem emocional. “O público continua vindo na galeria, mas o fim do cinema foi uma grande perda. Fiz muitas amizades com frequentadores de lá. Era uma boa opção de lazer. Não tenho grana para ir ao Reserva Cultural ou ao cinema da Livraria Cultura.”
Abrigo para moradores de rua
Alguns dias após o fechamento, pichadores e grafiteiros deixaram suas marcas nas vitrines e paredes do Belas Artes, colorindo as paredes vermelhas do espaço. Além de "painel" para os artistas do spray, o espaço ganhou outra função social: à noite e, eventualmente, de dia, moradores de rua descansam sob as marquises do local.
“Eu e mais quatro dormimos aqui. Antes, com o cinema aberto, não dava. Era muito movimento. Agora é sossegado, ninguém vem perturbar”, afirma Jaílson Ferreira, 40, que mora na rua.
Para evitar invasões e depredações, o proprietário do imóvel contratou quatro seguranças para vigiar o espaço dia e noite, que se revezam em dois turnos de 12h. Um deles é Antonio Pereira, 50: “Agora está tudo pacífico. O cinema está vazio. Tiraram tudo que tinha dentro”, diz.
Tombamento e futuro
O fechamento do Belas Artes mobilizou os frequentadores do local que, por meio das redes sociais, organizaram atos na rua e no próprio cinema. Na época, o antigo administrador da sala, André Sturm, tentou negociar com o proprietário Flávio Maluf a renovação do contrato, mas as partes não chegaram a um acordo quanto ao valor.
Mesmo sem o patrocínio do banco HSBC há quase um ano, os inquilinos chegaram a oferecer cerca de R$ 80 mil pelo aluguel, mas o dono queria quase o dobro (R$ 150 mil), o que inviabilizou o negócio.
Fachada do Cine Belas Artes em 16 de março... e em 29 de julho deste ano
Sturm, atualmente diretor do MIS (Museu da Imagem e do Som), diz que todos os equipamentos do cinema já foram doados. “Nos desfizemos. Não dava para guardar todo o equipamento, mais de mil cadeiras...”, afirma.
O antigo administrador do Belas Artes, contudo, ainda mantém a esperança de reabrir o cinema. Para tanto, espera que o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental), órgão da Secretaria Municipal de Cultura, decida favoravelmente ao tombamento do prédio.
O Departamento de Patrimônio Histórico, da mesma secretaria, já se manifestou a favor. Agora, o Conpresp aguarda um parecer da Secretaria de Negócios Jurídicos da prefeitura.
Segundo a assessoria de imprensa do órgão, a Secretaria de Negócios Jurídicos foi envolvida no processo porque o Belas Artes não se enquadra exatamente em nenhuma das áreas de tombamento. “Precisamos saber se o cinema pode ou não ser considerado patrimônio imaterial como o folclore, por exemplo. Como patrimônio material é complicado, porque a estrutura do prédio já passou por várias reformas”, diz a assessoria.
Se for tombado, o proprietário terá que acatar uma série de limitações no funcionamento do cinema, que restringiriam o aluguel para determinados clientes comerciais, o que pode favorecer a locação para os antigos administradores do Belas Artes . “Eu imagino que, com o tombamento, alugar para nós possa ser um bom negócio [ao proprietário], disse Sturm.
De acordo com Fábio Luchesi Filho, advogado de Flávio Maluf, o dono do imóvel só irá decidir o futuro do espaço após a decisão sobre o tombamento.
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