Defensores
do cinema abrem diálogo com prefeitura de São Paulo e já fazem planos para
espaço cultural que marcou cidade por décadas
Por Bruna
Bernacchio
Uma
batalha cultural destacada, mas que parecia até há pouco perdida, está
ressurgindo. Em São Paulo, o Cine Belas Artes, que por décadas fez parte da
cena artística paulistana, e esteve a ponto de se reduzir a loja de
departamentos, pode renascer em forma de centro multicultural. O Movimento
pelo Belas Artes (MBA), que lutou durante todo o ano de 2011 pela
preservação do cinema, começa a criar um imaginário mais concreto de como
poderia ser esse renascimento.
A
possibilidade de voltar a sonhar com a ressurreição do Belas Artes surgiu nos
primeiros dias do governo Fernando Haddad. Já em 1º de janeiro, quando tomou
posse o novo prefeito, o movimento entregou ao novo secretário de Cultura, Juca
Ferreira, uma carta reivindicando reativá-lo. Ao contrário de seus
antecessores, Juca mostrou-se de imediato disposto ao diálogo e à reabertura
das salas. O contato se fortaleceu com o apoio de Nabil Bonduki, vereador
recém-eleito (PT), e Eliseu Gabriel (PSB), que naquele dia tornava-se
secretário do Trabalho e Empreendedorismo. Presidente da CPI do Belas Artes,
Eliseu entregou na última segunda-feira o relatório final
do inquérito, que propõe a declaração da utilidade pública do imóvel, a
requalificação urbana da área no entorno, entre outras medidas.
Histórico
da luta
Construído em 1943, o prédio
funcionou como um cinema, Trianon, antes de se tornar o Belas Artes. Em 1967,
graças à Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC), em parceria com a antiga
companhia cinematográfica Serrador, passou a “ser mais do que um mero exibidor
de filmes, atuando como formador de público, por meio de mostras, cursos,
debates e de uma programação que valorizasse a diversidade cultural, com
produções de boa qualidade de diferentes partes do mundo e destaque para o
cinema brasileiro”, conta o jornalista e historiador Beto Gonçalves, um dos
coordenadores do movimento.
Em 2003, o empresário e diretor de
cinema André Sturm assumiu a programação das salas, em sociedade com o produtor
e cineasta Fernando Meirelles, diretor do consagrado “Cidade de Deus”. Foi
quando o cinema passou a receber patrocínio do Banco HSBC. Em 2010, porém, o
proprietário do imóvel, Flávio Maluf, solicitou um aumento do aluguel de quase
o dobro e, mesmo Sturm conseguindo outro patrocínio (não revelado publicamente
até hoje), não fora possível cobrir a exigência do dono. O sustento do cinema
foi se tornando cada vez mais difícil, até Sturm anunciar publicamente seu
fechamento, em janeiro de 2011.
Cinéfilos e frequentadores,
articulados, realizaram três passeatas no mesmo mês, exigindo do governo apoio
para manter o patrimônio cultural da cidade. O interesse da sociedade na
conservação do cinema ficou claro – a última edição do tradicional evento
“Noitão” do Belas Artes foi repetida três vezes, devido ao grande sucesso.
Após o fechamento, culminado no dia
17 de março, começou a luta na Justiça. O movimento entrou com processos para
tombamento do cinema em três órgãos de proteção do patrimônio — Conpresp
(municipal), Condephaat (estadual) e Iphan (federal). Não obteve êxito, mas o
promotor Washington Lincoln de Assis recorreu, apontando irregularidades nas
análises. Em dezembro de 2011, a Justiça concedeu liminar, “congelando” o
edifício, e determinando a reabertura dos processos. Ao fazê-lo, o Condephaat
deliberou o tombamento da fachada do imóvel, em outubro de 2012. Desde março
daquele ano, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta pela Câmara dos
Vereadores investigava o processo do Conpresp.
Enquanto isso, o movimento chamou uma
série de audiências públicas na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa.
Convidado por diversas vezes a participar dos diálogos, o proprietário Flávio
Maluf nunca respondeu ou compareceu.
Aos poucos, intervenções em frente ao
cinema — como leituras dramáticas e lavagem da calçada –, a exibição de
documentários, encontros e debates na Casa da Cidade e Instituto de Arquitetos
do Brasil (IAB), deram visibilidade e legitimidade à causa. Um manifesto em
favor do cinema, que circulou na internet, teve apoio de cerca de 130 mil
pessoas — entre elas, o atual prefeito Fernando Haddad, Zé Celso Martinez
Corrêa, Danilo Miranda, Cao Hamburguer e Zuenir Ventura.
Reconstruindo
o imaginário
Após as manifestações da prefeitura,
os articuladores do movimento preparam-se para uma nova etapa. Confiam na
abertura de um diálogo direto com o governo. Uma primeira reunião com os
secretários de Cultura e Trabalho está marcada para o dia 17. Os defensores do
cinema querem levar propostas concretas.
Sua intenção principal é reformar as
antigas salas de cinema, retomando a função original de exibir filmes
brasileiros, de arte, documentários, animações e curtas-metragens. Além disso,
enxerga-se seu possível uso como salas de espetáculo e espaço de visitas e
formação escolar. Quem sabe, resgatar a aura clássica de quando foi inaugurado,
imagina Eliane Manfre, turismóloga, uma das principais articuladoras do
movimento. Apropriar-se da experiência bem sucedida de retomada dos cinemas de
rua Cine Jóia e Paissandu, no Rio de Janeiro, com o conceito de sala multiuso.
“Que tenha uma livraria (a lendária livraria Belas Artes funcionou por 15
anos), um café, como centro de convivência, sala de exposições, auditório para
debates e cursos, como previa o projeto original de 1967 dos empresários
Florentino Llorente e Dante Ancona López”, sugere o escritor e historiador
Afonso Jr, outro membro importante do movimento.
Eliane também defende a criação de um
conselho, por meio do qual setores da sociedade civil possam influenciar nos
rumos de um novo Belas Artes. Imagina que, além do financiamento do público e
dos governos, a iniciativa privada possa ajudar a tornar o espaço sustentável
financeiramente. Para resgatar a ideia, perdida em meio à tanta especulação
imobiliária, de que nossos patrimônios materiais e principalmente imateriais
precisam ser conservados ao andar dos tempos. Sem deixar que interesses
pessoais e financeiros de pequenos grupos desfoquem a essência da questão, que
faz parte, na verdade, de um debate muito maior: o dever do governo de atender
às demanda da sociedade, que quer mais cultura, espaços de convivência, e está
ocupando a rua.
Fonte: http://bit.ly/UQ9R6E
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